Direitos Humanos na Coréia do Norte

O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos reconheceu oficialmente as violações generalizadas dos direitos humanos que ocorrem regularmente na Coréia do Norte. A seção seguinte é uma citação direta Resolução das Nações Unidas sobre Direitos Humanos referindo-se especificamente aos acontecimentos na Coréia do Norte:


  • Tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, castigos e execuções públicas.


  • Detenções arbitrárias e extras judiciais, ausência do devido processo legal, imposição da pena de morte por razões políticas ou arbitrárias.


  • Existência de um grande número de campos de prisioneiros e a ampla utilização do trabalho forçado.


  • Sanções aos cidadãos da República Popular Democrática da Coreia, que foram repatriados, como considerar sua partida como traição, levando a penas de internamento, tortura, tratamentos desumanos e degradantes e a pena de morte.


  • Proibição ao acesso de todos à informação.


  • Restrições graves e disseminadas à liberdade de pensamento, de consciência, de religião, de opinião e de expressão, reuniões sociais e associação pacíficas.


  • Contínuas violações aos direitos humanos e liberdades fundamentais das mulheres, em especial o tráfico de mulheres para a prostituição ou casamentos forçados, abortos forçados por motivos étnicos, religiosos ou políticos, incluindo injeções que induzem o trabalho de parto, assim como o infanticídio de crianças de mães repatriadas, condenadas em centros de detenção ou campos de trabalho forçados.

  • Liberdade de expressão


    A Constituição tem cláusulas que garantem a liberdade de expressão e de reunião. Na prática, outras cláusulas prevalecem, incluindo a exigência de que os cidadãos sigam um modo de vida stalinista-socialista. Críticas ao governo e seus líderes são rigorosamente punidas e fazer qualquer declarações é motivo para ser detido e enviado ao acampamentos de trabalhos forçados.

    Liberdade de Informação


    O governo distribui rádios e televisões às famílias de elite, que são proibidas de alterá-los para tornar possível o recebimento de transmissões de outras nações. Quando isso acontece, esta família é encarcerada em até três gerações, incluindo crianças, idosos, mulheres grávidas e recém nascidos. Este método de punição, copiado do modelo soviético, é executado em todos que ousam, direta ou indiretamente, argumentar uma ordem do Lider.

    Liberdade de Culto.


    "Famílias inteiras presas em campos de trabalhos forçados, onde crueldade, atos desumanos e fome garantem uma vida curta e atormentada." São descritas assim a punição pela manifestação da crença ou da fé.

    Liberdade de circulação


    Normalmente, os cidadãos não podem viajar livremente em todo o país ou para o estrangeiro. Só a elite política pode ser proprietária de veículos e que o governo limita o acesso a combustível e outras formas de transporte. (Fotos por satélite da Coréia do Norte demonstram uma quase total ausência de veículos nas estradas.) Reassentamento forçado dos cidadãos e das famílias, especialmente como punição por razões políticas, é dito ser rotina. Só os cidadãos politicamentes mais confiavéis e saudáveis podem viver em Pyongyang. Aqueles que são suspeitos de sedição, ou têm familiares suspeitos, são retirados da cidade, condições semelhantes afetam aqueles que são deficientes físicos ou mentais.

    Liberdade de imprensa


    Rádios ou aparelhos de televisão que podem ser comprados na Coréia do Norte são pré-configurados para receber apenas as freqüências do governo e selados para evitar freqüências dos outros países. É uma grave ofensa criminal manipular a máquina e receber ondas de rádio ou televisão vindas do estrangeiro.

    Direitos de pessoas com mobilidade condicionada


    Em 22 de março de 2006, a Associated Press da Coréia do Sul informou que um médico norte-coreano que desertou, Ri Kwang-chol, alegou que os bebês nascem com defeitos físicos são rapidamente mortos e enterrados. Um relatório das Nações Unidas refere ainda como as pessoas com deficiência são, abreviadas ou levadas para campos de concentração. Pessoas diagnosticadas com autismo e outras doenças relacionadas são muitas vezes perseguidos. Bebês deficientes são considerados impuros, assim como filhos de pais chineses ou cristãos.

    Prostituição


    O estado forçosamente recruta meninas de 14 anos a trabalhar no chamado kippumjo, um reduto de prostituição. Muitos são condenadas a casar com guardas de Kim Jong-il ou heróis nacionais, quando eles completam 25 anos de idade.

    Execuções públicas


    A Coréia do Norte retomou as execuções públicas em outubro de 2007 depois de terem diminuído nos anos seguintes, 2000 em meio a críticas internacionais. Em outubro de 2007, um chefe de uma fábrica na província de Pyongan. Foi condenado por fazer chamadas internacionais, à partir de 13 telefones que instalou em seu porão. Foi executado por um pelotão de fuzilamento na frente de uma multidão de 150.000 pessoas em um estádio. Em outro exemplo, 15 pessoas foram executadas publicamente, porque tentaram fugir para a China.

    O sistema prisional


    De acordo com um relatório do Departamento de Estado dos Estados Unidos, as condições de prisão "são duras e ameaçadoras à vida. Grávidas reclusas sofrem abortos forçados em alguns casos, e em outros casos, os bebês são mortos após o nascimento em prisões. Governo da Coréia do Norte pratica, rotineiramente detenção, tortura e prisão de milhares de indivíduos alegados dissidentes ou sabotadores . O relatório afirma: "Métodos de tortura e abuso de força, incluídas espancamentos, choques eléctricos, longos períodos de exposição aos elementos externos (frio, calor, umidade). Humilhações como, nudez pública; reclusão por até várias semanas em pequenas celas, em que os prisioneiros não podiam ficar de pé ou se deitar, sendo forçados a a ficar imóveis por longos períodos, sendo pendurado pelos pulsos, e obrigando as mães, recentemente repatriados da China a assistir ao infanticídio de seus recém-nascidos" Desertores continuam a relatar que muitos prisioneiros morreram de tortura, doença, fome, exposição aos clima, ou uma combinação dessas causas. Shin Dong-Hyuk, um desertor nascido e confinado em um campo de prisioneiros políticos em Kaechon no sul da província de Pyongan por 22 anos, explicou que os espancamentos e torturas são comuns dentro do campo. Shin informou que ele foi torturado com brasas enquanto era pendurado no teto depois que um membro de sua família tentou escapar do campo.

    Prisão e Centros de Detenção


    Refugiados em ONGs, e relatórios de imprensa indicaram que havia vários tipos de prisões, centros de detenção e campos, incluindo campos de trabalho forçados e campos separados para prisioneiros políticos. Desertores descreveram que os campos podem chegam a cobrir 200 quilômetros quadrados. Descrevem sepulturas em massa, quartéis, locais de trabalho, e outras unidades prisionais. Aqueles condenados à prisão por crimes não-políticos são normalmente enviados para prisões de reeducação, onde prisioneiros, são submetidos a trabalho forçado intenso. Aqueles que foram considerados hostis ao regime, ou que cometeram crimes políticos, como a deserção, são enviados para campos de prisioneiros políticos por tempo indeterminado. Muitos prisioneiros em campos de prisioneiros políticos não tem esperança de sobreviver. O governo coreano continua a negar a existência de campos de prisioneiros políticos. Relatórios indicam que as condições nos campos de prisioneiros políticos são desumanas. Sistemáticos e graves abusos aos direitos humanos ocorrem durante a prisão e a detenção. Detidos e presos relatam,consistentemente, violência extrema e tortura diária. De acordo com os refugiados, os presos recebem pouca ou nenhuma comida e lhes são negados cuidados médicos e saneamento, não tem mudanças de roupa durante os anos do seu encarceramento e raramente são autorizados a tomar banho ou lavar as roupas.

  • créditos: texto na íntegra-original na wiki aqui
  • Welcome to North Korea

    Welcome to North Korea
    Feito por Peter Tetteroo e Raymond Feddema, da Holanda.

    Um documentário disfarçado de viagem a turismo. São 50 minutos passando pelos pontos turisticos de Pyongyang, sempre com um olhar crítico e denunciador.(em inglês)

    Os Cristãos e os Campos de Concentração na Coréia do Norte. Parte II

    De Human Pixels

    Soon Ok Lee conta os horrores dos campos de prisão norte-coreanos

    Fui educada em Chung-Jin, na província setentrional denominada Ham-Kyung, na Coréia do Norte. Entretanto, nasci na Alemanha e mudei-me para a Coréia do Norte com o meu pai que era um oficial do exército da União Soviética. Estudei da quinta-série até o ensino médio em Chung-Jin e fui cursar a faculdade em Pyung-Yang. Depois de terminar a graduação na Universidade de Economia Especializada, trabalhei no Banco Central por alguns meses. Então, aos 23 anos, filiei-me ao Partido Trabalhista Kim Il-Sung e fui aceita na Universidade de Economia do Povo de Pyung-Yang, uma das melhores instituições para formação de líderes nacionais. Tornei-me a gerente de distribuição de materiais no Partido Trabalhista Kim Il-Sung, onde eu trabalhei durante os próximos 17 anos. Eu era a única filha, vinda de uma família de prestígio político e, por isso, lealdade ao governo era um dever para mim. Contudo, acredito que minha mãe era uma cristã comprometida. Lembro-me que ela cantava hinos para mim como canção de ninar. Ela também me dizia que não deveríamos adorar homens como deuses, mas precisávamos acreditar no Deus verdadeiro. Apesar de tudo isto, eu vivia em um sistema de adoração a um homem, sob a ditadura absoluta de Kim e eu era mais fiel do que qualquer outra pessoa.

    Você contou que trabalhava para o governo norte-coreano. Explique sobre o cargo que ocupava e das responsabilidades que tinha.

    Eu era a gerente de distribuição de materiais. Resumidamente, essa era uma posição que até mesmo um homem sonharia ter em uma sociedade dominada por homens. A explicação é porque todo o país está baseado no sistema de distribuição. Tudo é distribuído pelo governo. Minha posição era considerada extremamente significante para Kim Il Sung porque eu estava, essencialmente, encarregada de distribuir materiais para toda a nação de 23 milhões de pessoas. Por 17 anos, recebi a máxima confiança de Kim Il Sung, que em troca, mantinha-me fiel a ele. Porém, como a economia começou a entrar em colapso na década de 1980, tornou-se cada vez mais difícil a distribuição de mercadorias e recursos para muitas partes do país. A escassez de comida tornou-se um grande problema por toda a nação e, finalmente, toda a culpa foi passada para mim. Apesar de ser responsabilidade de Kim Jung Il que o país estivesse morrendo por falta de alimento, ele falou às pessoas que elas estavam passando fome porque eu tinha administrado mal os recursos e não fui capaz de distribuí-los igualmente por todo o país. Neste primeiro ciclo de eliminação de oficiais, infelizmente, fui selecionada e lançada no campo de prisão política por sete anos.

    Você disse que estava em um campo de prisão política. Você pode explicar sobre o tipo de lugar, o número de pessoas, as condições do campo e falar sobre a sua experiência mais dolorosa naquele local? Você ainda tem essas marcas de sofrimento, mesmo depois de sete anos?

    O campo de prisão que eu fui enviada está situado em Kae-Chon, ao sul da província de Pyung-Yang. Há mais de seis mil presos neste local: mais de quatro mil são homens e mais de duas mil são mulheres. A maioria dos presos está lá por razões políticas. Alguns foram capturados enquanto viajavam para lugares que não tinham permissão em busca de comida. Algumas eram mães queixando-se que seus filhos estavam morrendo de fome. elas perguntavam-se "por que tenho que morrer desta maneira? Por que eu não posso comer até ficar satisfeita como as pessoas em outros países?". Pessoas que tinham este tipo de pensamento eram consideradas como de má ideologia. Se a mãe estivesse grávida, segundo a lei norte-coreana que diz que a semente de um criminoso deve ser queimada até sua terceira geração, eles abortavam o bebê. Se, de algum modo, o bebê sobrevivesse e nascesse, eles estrangulavam o bebê, esmagando com os pés na frente de sua própria mãe. Eu também testemunhei muitos experimentos feitos com humanos. Eles diziam que era inútil testar armas e produtos químicos em animais porque este tipo de armamento foi criado para atingir os inimigos, outros seres humanos. Eu também vi muitos cristãos no campo. Por causa de sua fé em Deus e porque cantavam hinos nos campos, eram pisoteados até morrer. Se não negassem a Deus, eram queimados com um metal líquido fervente até a morte. Vi muitas coisas indescritíveis que não eram vislumbres raros para mim. Por ter passado por muitas torturas físicas, eu ainda tenho muitas marcas deixadas no meu corpo. O lado direito do meu rosto ainda está um pouco torcido, a parte esquerda da minha boca está torta e os dentes de todo o lado esquerdo da minha boca estão quebrados. Diariamente convivo com muitas dores físicas no meu corpo e é difícil suportá-las. Porém, lembro-me que, neste exato momento, muitas pessoas estão passando por torturas e experimentos humanos. Mas eu quero continuar a contar ao mundo sobre os cristãos e os problemas de direitos humanos existentes na Coréia do Norte.

    Depois de você ser desertada para a Coréia do Sul, de que maneira você experimentou a Deus?

    Desde o momento em que saí da minha casa na Coréia do Norte, eu posso ver claramente como Deus esteve comigo, conduzindo cada passo que eu dava. Na noite que eu parti, estava frio e nublado e o chão estava coberto de neve. O ar denso dificultou que os guardas enxergassem. Quando eu atravessei a fronteira para a China, avistei, por acaso, um condomínio que pertencia a uma pessoa com quem eu trabalhei. Deus também me fez lembrar de um número de telefone que eu sabia há dez anos! Então, eu entrei em contato com o homem que era o chefe de uma determinada agência na China. Ele me ajudou a sair do país. Eu posso ver o Deus que me guiou durante os momentos mais difíceis de minha vida.

    Como podemos ajudar os refugiados norte-coreanos que vivem na China?

    Primeiramente, precisamos evitar que eles sejam enviados para a Coréia do Norte. Eles precisam de abrigo que garantirá a sua segurança quando cruzarem a fronteira. O congresso americano está tentando promover este tipo de facilidade, mas é difícil porque o governo chinês não apóia. Sem a aprovação, é impossível levar este plano adiante. Atualmente, há muitos movimentos para persuadir o governo chinês a aceitar os refugiados como sul-coreanos.

    Como vivem os desertores na Coréia do Sul?

    Creio que eles vivam bem. Há alguns que causam problemas porque não sabem como lidar com o conceito de liberdade.Contudo, a maioria deles está trabalhando arduamente e progredind. O governo sul-coreano também lhes fornece uma pequena ajuda financeira, que é útil. Uma área que necessita melhorar é a de empregos. Acho que o governo deve intervir de alguma forma para facilitar a obtenção de emprego. Há alguns desertores que estão empregados e ganhando sua própria vida, mas as pessoas mais idosas e especialmente as mulheres, estão passando por um momento muito difícil para poderem se manter financeiramente.

    Então, se você não estivesse fazendo o que você está fazendo agora, você também estaria recebendo auxílio do governo sul-coreano?

    Sim, exatamente. Eu estou em uma viagem solitária. Eu tenho que fazer isto sozinha porque não há muitas pessoas para participar comigo neste esforço de expor as atrocidades da Coréia do Norte. Contudo, pelas pessoas em agonia e pelos cristãos perseguidos na Coréia do Norte, estou arriscando minha vida. Embora seja um trabalho solitário e difícil, acredito que fui chamada para fazer isso e esta seja a missão que recebi nesta vida.

    Soon Ok Lee



    Texto e Vídeo tirados daqui Missões Portas Abertas

    Os Cristãos e os Campos de Concentração na Coréia do Norte.

    Leia a seguir a história de Kim Tae Jin, um cristão norte-coreano que sobreviveu ao campo de concentração e hoje trabalha para ajudar compatriotas que fogem para a China:

    De Human Pixels

    A juventude:

    "A coisa mais difícil para mim", diz ele calmamente, "é tomar decisões por mim mesmo. Se você me pedir 10 vezes para movimentar uma cadeira ao redor de uma sala, eu atenderei ao pedido sem sequer me questionar qual o propósito disso. Mas se eu tiver de decidir que faculdade cursar, eu não sei".

    Isso não surpreende. Qualquer pessoa que não tem permissão para pensar por si mesma por 30 anos ou mais acaba perdendo essa capacidade. Qualquer um que costume ter as decisões tomadas no seu lugar, não é capaz de decidir por si mesmo.

    Kim nasceu em 1956, na China. Seu pai divorciou-se de sua mãe quando ele era ainda bem jovem. Por isso, ele tem alguns meio-irmãos e uma meio-irmã. Em 1961, ele se mudou com seu pai para o norte da Coréia do Norte, e, em 1964 para Wonsan, uma cidade portuária no sul do país.

    "Quando eu era jovem, não me sentia infeliz", conta Kim. "Fomos educados como comunistas. O general Kim Il Sung tinha salvo o povo dos 'ricos'. A Coréia do Sul foi ocupada pelos americanos. Um dia nós libertaríamos nossos compatriotas do jugo dos imperialistas. Uma relevante parte de nossas lições na escola era decorar os discursos e os escritos de Kim Il Sung. Levaria 10 anos para contar em detalhes tudo que aprendi. O que posso dizer é como nós devíamos encarar o sistema. O partido é a mãe, Kim Il Sung é o pai, e Jim Jong Il é o filho. Não sou mais capaz de recitar exatamente o que aprendi na ocasião. Deus tem removido isso da minha mente."

    Liberdade de escolha, como foi mencionado, é um conceito desconhecido na Coréia do Norte. "Isso simplesmente não existe. O partido nos diz o que temos de fazer. Somos tratados como um grupo, não como indivíduos. Na realidade, o que aumentava grandemente suas oportunidades na carreira era se você conhecesse Kim Il Sung. Então você tinha prestígio. Muitas pessoas que queriam ser promovidas tentavam de tudo para encontrá-lo. O que realmente me irritava era que o partido também determinava que emprego eu deveria aceitar. Depois do ensino médio, tive de trabalhar na linha de produção de uma fábrica. Era um trabalho muito simples. Apesar disso, eu ainda acreditava que a Coréia do Norte era o paraíso na terra."

    As dúvidas:

    "Certa vez, vi em um livro uma foto de um lavrador sul-coreano com um saco nas costas. Abaixo estava escrito: 'Esse pobre lavrador está sendo explorado pela burguesia sul-coreana'. Mas eu reparei nas roupas dele e vi que eram muito melhores que as nossas. Além disso, nossos lavradores trabalhavam na terra do mesmo modo. E, nos jornais, vi fotos de manifestações na Alemanha Ocidental e na Coréia do Sul. As fotos foram feitas para ser vagas, de modo que eu não podia distinguir muito bem que tipo de construção havia ao fundo. A legenda informava que as pessoas estavam extremamente inflamadas contra a classe dominante. Mas pelo menos eles tinham permissão para demonstrar essa raiva... No meu país, isso é impensável".


    A primeira fuga:

    Em 1986, Kim fugiu pela primeira vez para a China. Primeiro ele foi em busca de parentes que ainda viviam lá. Ele não foi muito bem recebido.

    "Meus parentes estavam amedrontados. Eles corriam um grande risco por esconder um norte-coreano. Hoje em dia as punições por esconder refugiados norte-coreanos são muito mais severas. Eu consegui um emprego em uma mina. Não era um trabalho agradável, mas era um bom lugar para me esconder das autoridades. Antes de mais nada, eu estava muito desapontado na China. Ali também havia um estado comunista que governava com mãos de ferro. Eu tinha de estar vigilante o tempo todo."

    Na China, pela primeira vez, Kim teve contato com o cristianismo. Um chinês coreano lhe deu uma Bíblia.

    "A mãe da família com quem eu estava hospedado me convidou para ir à igreja, mas eu não quis. Eu tentei ler a Bíblia e comecei pelo Gênesis, mas não entendi nada. Ainda assim eu podia ver naquela família que o cristianismo era algo bom. Especialmente o amor que eles tinham me deixava com inveja. Eles eram muito diferentes de mim".

    A prisão:


    Depois de quatro meses, Kim foi descoberto. "Eu estava caminhando pela estrada e encontrei um policial. Eu ainda estava com uma Bíblia. Eles me prenderam. Só na prisão eu compreendi como a China era muito melhor do que o meu país. Mesmo na cadeia a comida era melhor que a comida comum na Coréia do Norte".

    Kim foi repatriado sem clemência. "Eu estava com medo do que estava por acontecer. Será que eu seria executado imediatamente? Ou seria enviado para um campo de trabalhos forçados? Mesmo ainda não tendo aceitado Jesus como meu Salvador, eu orava ocasionalmente. Eu pedia para que fosse libertado. No final das contas, ele respondeu às minhas orações."

    "Eu não fui muito torturado, mas a situação era bastante torturante", conta Kim, e pela primeira vez um sorriso invadiu sua face. Mas então ele começou a descrever os oito meses que passou nas mãos do serviço secreto.

    "Eles me agrediram com varas, e quase não me davam nada para comer. Eu tinha de ficar sentado todo o dia na mesma posição, o que fazia minha perna doer terrivelmente. Além disso, não tínhamos permissão para lavar ou limpar os dentes. Os piolhos saltavam sobre nós noite e dia. À noite, eu tinha de sobreviver apesar das pulgas, dos piolhos e do frio intenso. O cobertor despedaçado não proporcionava quase nenhuma proteção".

    Outros prisioneiros estavam em estado ainda pior. "A perna de um preso foi amputada depois que ele desenvolveu uma ulceração causada pelo frio. Um prisioneiro, conhecido como 'Sapo', uma vez teve de passar a noite com os guardas enquanto era mantido pelado. Naquela noite a temperatura era de 20 graus negativos. Seus gemidos deixaram a mim e aos outros prisioneiros aflitos. O 'Sapo' não conseguiu suportar e suicidou-se dando várias cabeçadas na parede".

    Kim confessou todas as acusações. "Era melhor cooperar. Eles tinham provas suficientes. Eles encontraram com minha mãe uma carta que eu havia enviado da China. Nela eu escrevi que não achava que a China era um país tão bom, e que com certeza não era muito melhor que a Coréia do Norte. Quando fui mandado para a prisão, minha esposa foi forçada a se divorciar de mim. Na realidade, aquilo foi bom, pois significava que meus filhos não estavam ligados a um dissidente. Se eles tivessem permanecido ligados a mim oficialmente, suas chances profissionais desapareceriam para sempre. Eu não sei como eles estão agora".

    O campo de concentração:

    Depois de 8 meses terríveis, em 31 de março de 1988, ele foi mandado para o campo número 15, Yodok. O nome traz associações com o campo da morte de Auschwitz-Birkenau. Esse imenso campo de trabalhos forçados fica na província de Hamkyung, encravado nas montanhas, o que torna uma fuga quase impossível. Em locais onde há qualquer chance de tentar escapar com sucesso, foram construídos muros altos, protegidos com arame farpado. Algumas partes são eletrificadas. Além disso, há campos minados e outras armadilhas mortais. Numa distância de dois quilômetros, há uma torre de vigia de sete metros de altura. Qualquer um que tente escapar é baleado. Se alguém for capturado vivo, é executado publicamente. Os prisioneiros recebem tratamento pior do que é dado aos animais. Quase não há comida. No verão e no inverno, eles recebem apenas uma muda de roupas. Muitos prisioneiros sucumbem à doença ou à fome. Os que estão vivos parecem fantasmas ambulantes.

    "Entretanto, quando eu cheguei ao campo, não fiquei chocado com isso", afirmou Kim. "Depois de oito meses preso, eu via a mesma coisa. Além disso, eu outra vez tinha um pouco de esperança. O guarda da prisão me disse que eu não seria executado. Fui levado de trem. A última parte da viagem foi feita de caminhão. Quando eu passei pelo portão de entrada, não me deixaram olhar para cima. Acho que foi porque primeiro passamos pela parte da prisão onde estavam os presos que nunca seriam libertados. Viajamos por pelo menos 30 quilômetros dentro de Yodok antes de chegarmos ao alojamento.

    No campo, todos os novos prisioneiros são primeiramente avaliados e divididos em três grupos: fortes, normais e fracos. Essa avaliação determina o quanto de comida o prisioneiro receberá e que tipo de trabalho ele terá de fazer. Felizmente, apesar dos meus oito meses na prisão, eles me consideraram como forte. Eu tive de trabalhar na terra e às vezes recebia um pouco mais de comida do que os outros presos".

    Normalmente a comida não passava de 100 gramas de milho três vezes por dia. Os prisioneiros precisavam ser criativos. Às vezes Kim conseguia fazer uma sopa de vegetais com plantas comestíveis que podiam ser achadas nas montanhas. "Era muito difícil comer aquilo. Era muito picante". Ele também de vez em quando conseguia caçar e comer algum roedor, ratos, cobras ou sapos. Ovos de sapo são também muito procurados entre os prisioneiros de Yodok.

    As circunstâncias:

    Normalmente Kim tinha de se levantar por volta das 3 ou 4 horas da manhã, assim que o sol nascia. Ele voltava para o alojamento depois do anoitecer.

    "Todo o sistema me deixava desesperado. Via pessoas morrendo de fome e de doenças. Assistia a execuções. Mas um dia, tivemos de nos reunir em uma sala grande onde soubemos que em homenagem ao aniversário de um dos líderes, alguns prisioneiros seriam libertados por bom comportamento. Naquele momento, eu decidi que seria um prisioneiro modelo e que sobreviveria àquilo. Eu sabia que eu teria de ficar pelo menos de 3 a 5 anos em Yodok para poder ser libertado. Eu estava determinado a não cometer qualquer erro".

    Por causa do período que passei na prisão, eu tinha muitos problemas com minhas pernas e costas. Em Yodok também acontecia de os prisioneiros serem agredidos. Um dia eu tinha de trabalhar na construção de uma parede à prova de balas. Um dos companheiros tinha sido agredido, despido e acorrentado porque tinha roubado alguns tomates. Os guardas o deixaram deitado lá por toda a noite. Eu me arrastei até ele e carreguei-o nas costas porque ele não podia sair de lá sozinho.

    Também vi como um prisioneiro foi brutalmente espancado porque plantou o milho ligeiramente diferente da maneira que Kim Il Sung tinha ordenado. Um prisioneiro chamado Choi não conseguia cumprir suas tarefas por causa da desnutrição e de uma doença. Mas ele também foi espancado e mandado para o trabalho de qualquer modo. Choi agia como se tivesse ficado louco. Ele roubava comida do cachorro e chegou a decepar os dedos de sua mão com um machado. Certa vez testemunhei a execução de cinco prisioneiros. Eles tinham tentado escapar. Os homens amarrados e vendados foram obrigados a se ajoelhar e foram baleados com três tiros cada um. O último tiro era disparado contra o coração ou a cabeça".

    O grupo de cristãos:

    "Eu nunca esperei que pudesse haver qualquer cristão em Yodok. Eu conheci o líder de um grupo de sete cristãos. Eles se chamavam de Comunidade do Amor e ocasionalmente se reuniam em segredo. Eu sabia que era proibido ser um cristão no campo. Ainda assim eu não tinha medo de falar com ele. Ele era muito divertido. Às vezes ele me contava histórias da Bíblia e eu gostava de ouvi-las. Mas eu não queria confessar meus pecados. Quando ele me pediu para fazer isso, eu me fechei e não disse qualquer palavra".

    Mas Kim perguntou ao homem: "Como você sabe que Deus existe?"

    "Eu não sei", o homem replicou. "Assim como você não sabe que o sol existe. Você sente o calor do sol em sua pele. O mesmo é verdade para Deus".

    Em Yodok, os guardas normalmente nomeiam informantes. Alguns prisioneiros são obrigados a preparar um relatório semanal sobre o que os companheiros fazem de errado. Um deles denunciou o grupo de cristãos.

    "Eles foram horrivelmente torturados. Eles agarraram meu amigo com tanta força que seu braço teve de ser amputado, provavelmente sem anestesia. Depois disso, ele e os outros foram enviados para outro campo, com um regime ainda mais rígido. Você não sai vivo de um lugar como aquele. Depois desse episódio, eu tentei encontrar de novo alguns cristãos em Yodok, mas não tive sorte".

    Assim como todos os outros prisioneiros, Kim freqüentemente pensava em tentar fugir, mas ele entendeu que tinha mais chance de sobreviver se ficasse quieto. Depois de três anos de prisão, um guarda lhe disse: "Se você se comportar bem neste ano também, será libertado no próximo ano".

    A libertação:

    Em 1º de abril de 1992, junto com milhares de outros prisioneiros de sua aldeia (Yodok é dividido em várias aldeias), ele se dirigiu à grande sala. Duas semanas depois era o aniversário de Kim Il Sung.

    "Em honra a essa ocasião, alguns prisioneiros seriam libertados. Quando meu nome foi lido, eu nem pude acreditar. A alegria é indescritível. Finalmente eu teria permissão para deixar esse inferno, essa cova coletiva em que se enterravam pessoas vivas. Era um milagre que eu pudesse sair de lá com vida. Os outros prisioneiros que também seriam libertados também estavam imensamente felizes. Uma vez eu vi um prisioneiro ter um ataque cardíaco quando seu nome foi lido. Ele morreu na hora. Uma tragédia."

    Seu último dia em Yokok foi 10 de abril de 1992. Ele foi colocado em um trem para ir ao encontro de sua família, que o expulsou por não querer ter qualquer coisa a ver com ele. "Depois da minha libertação, eu não sabia o que devia fazer da minha vida. Na realidade, eu só queria uma coisa: sair da Coréia do Norte. Mas, como ex-prisioneiro, eu era vigiado pela polícia secreta. Era impossível fugir. Eu ainda estava em um tipo de prisão".

    A segunda fuga:

    "Pode parecer cruel, mas a fome dos anos noventa foi uma dádiva de Deus para mim. As pessoas viajavam em busca de comida. Muitos se mudavam para o norte por períodos maiores ou menores. Ninguém notou quando eu passei escondido, e o controle era menos rígido naquela ocasião".

    Kim foi sozinho para o norte, para o rio Jalou, que forma a fronteira com a China. Como na primeira vez, durante a noite ele encontrou um lugar mais raso e caminhou pela água gelada. Algumas partes estavam quase congeladas. O leito do rio com as pedras no fundo era escorregadio feito gelo.

    "Eu simplesmente comecei a correr pela água", disse Kim. "Eram menos de 100 metros. A certa altura, eu escorreguei e caí. Fiquei seriamente machucado. Depois disso, tive de cruzar a área montanhosa procurando por um lugar para me esconder. Aqui e ali, ainda havia neve. Em alguns lugares eu andei de quatro, como um cachorro".

    Finalmente, Kim encontrou um esconderijo, sobre o qual não podemos dizer nada, por razões de segurança, exceto que ele teve vários empregos e mais uma vez entrou em contato com alguns cristãos. Em dezembro de 1997, ele ganhou uma Bíblia coreana e no mesmo mês foi batizado.

    Sobre sua conversão, Kim conta: "Não sei exatamente como aconteceu. Deus me alcançou e eu aceitei sua Palavra como verdade. Lentamente comecei a entender a Bíblia melhor. Não demorou muito para que eu me tornasse líder de um grupo de norte-coreanos com quem eu estudava a Bíblia".

    Mas na China Kim não estava em segurança. Ele queria ir para a Coréia do Sul. Na primavera de 1999, ele se mudou para Pequim, capital da China, para candidatar-se junto à embaixada sul-coreana. A família que o hospedava advertiu: "Impossível! É muito perigoso!", eles disseram. Porém, em abril de 2001, Kim entrou em contato com uma organização que tirava norte-coreanos do país de forma clandestina. Kim tinha de estar pronto para partir a qualquer momento.

    A esperança:

    Em 8 de julho, a esperada chamada telefônica aconteceu. Eles iriam pegá-lo no local em que estava e levá-lo para a Mongólia, para finalmente alcançar a Coréia do Sul através desse país. O grupo era formado por 8 pessoas. Eles tentaram cruzar a fronteira em dois grupos de quatro pessoas cada. Entretanto, seis das oito pessoas foram capturadas.

    "Há pouca dúvida sobre o destino deles. Eles foram enviados para a Coréia do Norte, torturados e, se tiverem sobrevivido, foram enviados a um campo de trabalhos forçados".

    Kim conseguiu chegar à Coréia do Sul a salvo. Agora ele está sentado aqui, nesse ambiente pacífico distante apenas algumas dezenas de quilômetros da Coréia do Norte.

    "No meu país, nada irá mudar enquanto Kim Il Jung estiver no poder. Só Deus pode fazer uma reviravolta na Coréia do Norte. Mas como? Através de uma guerra? Através de um desastre natural? Vamos orar para que Deus intervenha sem que haja derramamento de sangue."

    Agora Kim aproveita todas as oportunidades para falar sobre seu país, especialmente sobre os cristãos, que não são perseguidos em nenhum outro lugar no mundo como na Coréia do Norte.

    "Minha mensagem pessoal é: demonstre interesse pelo meu país. Ore por ele. Precisamos do seu apoio.

    Texto tirado daqui Missões Portas Abertas

    De Human Pixels
    Kim Tae Jin trabalha para uma organização que apóia os norte-coreanos refugiados.

    links relacionados (em inglês)

    entrevista com Kim Tae Jin sobre os gulags norte coranos
    relato Kim Tae Jin

    Dentro do Vazio Comunista Parte VI

    No coração das trevas (sexta parte)
    Claudio Mafra

    Com a advertência para ficarmos sempre juntos, fomos levados para ver a “terra de ninguém”, ou DMZ (Zona Desmilitarizada): uma estreita faixa de uns trinta metros, que separa as duas Coreias. Aqui, neste lugar carregado de eletricidade e ódio, os soldados dos dois países montam guarda, andando em alguns quadrados de cores diferentes, tão perto uns dos outros que, se estendessem os braços, poderiam se tocar.


    Os coreanos do norte com seus uniformes cor cáqui, modelos da década de cinquenta, figuras esqueléticas, um pouco de miséria em seus rostos, e os sul-coreanos completamente americanizados, de capacetes e óculos ray-ban. Existe um enorme cuidado para que não se quebre o delicado equilíbrio entre eles. Os soldados são substituídos a pequenos intervalos, para que não se cansem e cometam algum erro. Caminhando com os olhos no visor da câmera, sem querer coloquei um pé na faixa branca, início da “terra de ninguém” do lado norte-coreano. Foi uma gritaria pânica, onde se uniram guias, soldados, turistas. Comecei a pedir tantas desculpas que só faltei me dirigir também aos coreanos do sul, agitadíssimos, olhando para nós, sem saber o que acontecera. O soldado guia, a quem estavam destinados os cigarros que eu trouxera, e que esqueci no hotel, veio para o meu lado e disse que algum tempo atrás um inglês também se distraíra e quase havia entrado na Coreia do Sul, sendo fuzilado antes disso. Sim senhor, muita amabilidade sua me avisar.

    South Korea Soldier | Soldado Sul Coreano.

    From Flickr
    ROK Soldier, upload feito originalmente por *christopher*.

    De volta ao centro de Pyongyang, a intimidade com os guias alcança o seu nível mais alto. Eu sempre quis fotografar a guardinha de trânsito, muito bem fardada em azul, usando um bastãozinho com tanta energia que até parece que existe tráfego. Agora, quando passamos outra vez pelo mesmo lugar, o rapaz manda o chofer parar o carro e, bem malicioso, diz que posso descer e tirar minhas fotos. Respondo que não me interessa, porque de uma hora para outra pode sair alguém de trás do poste e me confiscar o filme. Os dois explodem em gargalhadas.





    Sou levado para ver o “USS Pueblo”, que foi trazido do porto de Wonsan para o rio Daedong, em Pyongyang. Este é um grande troféu de guerra. O Pueblo era um navio espião americano que foi aprendido pelos norte-coreanos em 1968, provavelmente em águas internacionais. O capitão do barco, após a ameaça de que todos os 83 membros da tripulação seriam mortos, a partir do mais moço, até chegar a ele próprio, assinou uma confissão dizendo que estava espionando os norte-coreanos. Foi um episódio que provocou uma grande crise internacional durante a Guerra Fria, e provocou um enorme desgaste na imagem dos Estados Unidos.

    Sou apresentado ao marinheiro que primeiro colocou os pés no navio, após uma rápida batalha. Agora ele é o “capitão” do Pueblo e, todo elétrico, mostra os buracos feitos pelas balas de metralhadoras e canhões dos navios norte-coreanos. Enquanto vamos andando pelos corredores apertados, subindo e descendo escadas, o herói começa a me contar muitas histórias, onde exalta a coragem dos seus antigos companheiros e ri da covardia dos americanos. O clímax é quando ele mesmo deu um chute no traseiro do capitão Bucher que tentava se esconder debaixo de uma mesa. Aprovo tudo que está me dizendo, mas a cena é mesmo de comédia pastelão misturada com uma infantilidade sinistra, porque além do absurdo do capitão tentando fugir, a mesa é ridiculamente pequena. Olho em volta, mas o guia já se mandou. Ele é muito esperto. Definitivamente não quer se envergonhar na minha frente. Preferiu me esperar do lado de fora do navio para os seus comentários políticos. Kong me diz que os russos fizeram enorme pressão para que a tripulação do Pueblo fosse logo libertada, e que o embaixador soviético em Pyongyang chegou a ameaçar o governo do Grande Líder com retaliações econômicas e políticas. Mesmo assim, Ele não cedeu; impossível imaginar que Ele fizesse isso. Os russos poderiam ficar com medo dos Estados Unidos, mas jamais a Coreia do Norte. Aponta para o Pueblo, que é a prova incontestável do que diz: emoldurada em uma das salas do navio está a cópia da humilhante confissão do capitão Bucher. (O pobre Bucher, quando chegou aos Estados Unidos, foi muito mal recebido e forçado a se aposentar).

    Peço para ser fotografado apertando a mão do folclórico capitão, que está satisfeitíssimo por ter saído da chatice de ficar naquele navio o dia inteiro, sem ninguém para contar as suas histórias extraordinárias.

    Já está chegando a hora do meu embarque e nada de aparecer o ticket da Air Koryo.

    O guia me diz que está fazendo um grande esforço, parece que o avião está lotado, mas ele tem um amigo que talvez possa resolver o problema. Bem, essa história eu já conheço. Afinal o amigo conseguiu a passagem, mas infelizmente teve muitas despesas e ela… ficou mais cara. Novamente fico impressionado. Um regime de ferro, e as pessoas se arriscam de qualquer maneira.

    No aeroporto os guias estão satisfeitos. Parece que realmente gostaram de mim, e além do mais, dei uma gorjeta alta para os dois. Muitos abraços e beijos. Perto estão alguns militares e um deles chama a atenção pelo monte de estrelas que tem no ombro. Pergunto se é um general. O rapaz responde baixinho que não pode falar sobre isto. Tomo a sinceridade da declaração como uma prova de amizade, novas despedidas e vou para a sala de espera do aeroporto, onde encontro um brasileiro, funcionário da FAO, que veio para um programa de ajuda à Coreia. Está muito desanimado porque, devido ao atraso norte-coreano, a tecnologia que trouxe não pode ser aplicada. Trocamos impressões da viagem, e ele me conta que, passeando em Pyongyang, ficou muito distante do guia, o que lhe valeu uma reprimenda surpreendente: “Se o senhor for sequestrado a culpa não é minha”.